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Material Concreto

Mario Ramiro

Houve uma época em que Lucia Koch se incomodava com uma compreensão um tanto generalizada que se fazia sobre o seu trabalho, ao considerá-lo apenas como uma expressão das transformações atmosféricas do ambiente e das alterações que a luz, modulada por filtros, produz na percepção humana. Essas sempre foram leituras um tanto quanto previsíveis e nunca deram conta dessas produção que têm sua origem num pensamento mais especulativo e se propõem a refletir sobre questões lógicas e concretas. A questão é que o foco de seus trabalhos nunca foi o de uma sensualidade etérea, que se projeta na pele, no corpo ou no espaço, mas sim o das estruturas perceptíveis e cambiáveis, tornadas visíveis em situações criadas em ambientes e elementos arquitetônicos, como portas, janelas, clarabóias, cobogós, telhados e paredes.

Lucia procura trabalhar nos espaços que ocupa com conceitos claros e distintos, como os de “material concreto” – materiais do universo da matemática que, quando organizados, ajudam a construir noções fundamentais no aprendizado de operações lógicas. Dessa forma, ao contrário do que podemos supor num primeiro momento, esses trabalhos não operam com a idéia de “apropriação” da beleza das estruturas matemáticas para o campo da arte. O que neles se revela é a proposição de um problema de um fenômeno perceptivo. Suas fotomontagens são um bom exemplo dessa sua forma de encarar um problema: Uma animação digital intitulada “Olinda Celeste”, feita a partir das imagens de azulejos tradicionais, tem movimentos simples e, aparentemente previsíveis, mas que não convergem para nenhum “centro lógico” que “explica tudo”. Ao contrário, sua leitura nos dá uma sensação de insegurança, pois nossa percepção é frustrada ao perceber que essas imagens não coincidem com nossa espectativa mais previsível.  É como se num pequeno intervalo de tempo os padrões que se apresentam visíveis numa região do espaço, surjam em lugares inesperados, em lugares improváveis, fora de lógica. Somos frustrados por não conseguir prever o “sentido da narrativa” dessa animação, apresentada num conjunto intitulado “Matemática Moderna”.

No entanto em alguns de seus trabalhos mais recentes o que parece ocorrer é uma espécie de reconciliação da artista com aquela dimensão sensorial e, de certa forma, inerente à sua obra. Os ambientes de luz natural filtrada ou elétricamente iluminados, continuam exercendo suas influências sobre os sentidos do público, que reage a isso. Exemplo disso foi o que aconteceu no seu mais recente show na cidade do Recife: trabalhando com uma mesa de vários canais para o controle das luzes instaladas no alto de uma clarabóia, Lucia anexou à sua obra uma base sonora, cujo resultado foi a criação de um clima de festa na abertura da mostra. As luzes pulsando ao rítmo de um set musical trazido pela artista, acabaram produzindo tantas reações corporais no público presente que isso colocou em risco as velhas estruturas de madeira do prédio, encerrando antes da hora aquele vernissage animado. 

Publicado na Revista Bomb, 2008