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Arte Ambientada

Moacir dos Anjos

A trajetória artística de Lucia Koch – iniciada na segunda metade da década de 1980 – apresenta singular coerência: embora sejam claras as inflexões de curso, todas re-significam e transportam, para adiante, questões desenvolvidas em momentos anteriores. A razão dessa aderência a um repertório de produção contido está, talvez, em seu envolvimento próximo e cedo com a matemática moderna, a qual propõe a investigação, com autonomia criativa, das diversas formas de resolução de um problema lógico que um conjunto de variáveis sugere.[1] Uma das principais marcas de sua obra refere-se, assim, menos à exterioridade dos trabalhos que cria e mais ao método especulativo de pesquisa em que estão fundados. Não à toa, o convívio demorado com os materiais diversos que agrupa no atelier é fundamental para encontrar novas possibilidades expressivas, constituindo-se quase em uma ética de sua atividade.

Entre as questões que permeiam o percurso da artista, se destaca a preocupação crescente com os usos passados e correntes dos espaços arquitetônicos onde abriga seus trabalhos, os quais passam, gradualmente, a definir o tipo de intervenção a ser neles realizada. Foi esse interesse que a levou a quase abandonar, desde 1990, a construção de objetos autônomos e a modificar – de maneira discreta ou enfática – os ambientes expositivos a ela destinados, ativando-os como lugares que existiam, até então, apenas como possibilidades. Elemento central à percepção física e afetiva de espaços, a luz foi, nesse mesmo período, eleita por Lucia Koch como um dos recursos centrais de sua obra. Em 1992, fez os primeiros trabalhos com lâmpadas, quer para acentuar aspectos já contidos na iluminação existente de lugares, quer para adicionar, a esses locais, sentidos ainda insuspeitados.       A investigação, a partir do emprego de fontes ou de campos luminosos, dos limites cognitivos que a arquitetura de uma casa ou de um prédio impõe a quem os visita ou neles mora foi exercitada, entre 1992 e 1996, por meio de sua participação no Arte Construtora – projeto nômade que reunia artistas para exposições em espaços de grande densidade simbólica. Fosse em Porto Alegre, Rio de Janeiro ou São Paulo, cada integrante do grupo desenvolvia trabalhos a partir do convívio demorado com o local escolhido, criando uma “arte ambientada”. A experiência com o Arte Construtora

foi crucial para Lucia Koch, ademais, por promover a interação e a discussão de projetos entre seus participantes, sugerindo, portanto, a idéia de criação simultaneamente individual e partilhada. Em anos seguintes, vários de seus trabalhos reafirmaram ou subverteram as características de um determinado lugar levando em consideração a dimensão pública das modificações que promovia no espaço.

Desde o final da década de 1990, a artista emprega menos a iluminação artificial em suas intervenções, valendo-se mais de filtros de cor ou de delgadas chapas coloridas de acrílico para ativar a luz existente nos ambientes onde instala seus trabalhos. Colocados em vãos quaisquer por onde a claridade atravesse, esses translúcidos anteparos fazem com que a luz exterior preencha espaços internos de cores diversas e, contrariamente, que a paisagem de fora, quando vista de dentro, seja prolongação daqueles campos cromáticos. As mudanças constantes na posição relativa do sol também concedem a essas alterações uma dimensão efêmera, ainda que se repitam, com mínimas variações, de um a outro dia. Quando feitas em locais de uso comum, tais interferências na percepção estática que  usualmente se tem de um determinado espaço requerem sempre a colaboração interessada daqueles que por ela são afetados.A partir de meados da década de 2000,  essas superfícies contínuas de acrílico são, por vezes, também vazadas por recortes e furos que mimetizam cobogós ou elementos arquitetônicos mouriscos, tornando os efeitos da luminosidade por elas filtrada visualmente mais ambíguos. Placas perfuradas de várias maneiras passam, além disso, a ser sobrepostas e combinadas, formando recortes híbridos, cujos padrões são melhor percebidos quando postos contra fontes de luz. Embora gradualmente amplie o grau de complexidade de seus trabalhos, o que Lucia Koch de fato faz, nos lugares onde os instala, é continuamente adensar questões e procedimentos lentamente assentados em sua obra: utiliza materiais depois de convívio longo com eles sem propósito imediato, reorganiza a compreensão visual de espaços, faz uso da luz para atingir seu intento e estabelece um sentido público para o trabalho, seja pela negociação envolvida em seu processo – necessária ao uso dos lugares onde intervém –, seja pelo desconcertante efeito que o resultado causa.

2006