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A tentativa de libertar a cor de seus limites

Sobre os trabalhos de Lucia Koch na Künstlerhaus Stuttgart

Ruby Sircar

À primeira vista, os trabalhos desenvolvidos pela artista Lucia Koch, que vive e trabalha em São Paulo, para o projeto “Entre Pindorama” na Künstlerhaus Stuttgart, rompem a arquitetura (da exposição) e, em um segundo olhar, também a própria Künstlerhaus como instituição. Eles captam o prédio de maneira nova, em um jogo cromático de mudanças de luz e cores; filtrados justamente por esse colorido, os efeitos no exterior e no interior do prédio apresentam-se de nova forma. O jogo de cores e o leve edifício luminoso que surge no prédio, na arquitetura e na instituição, engolem a construção. Já ao entrar na Künstlerhaus, o visitante é envolvido pelo intenso mundo das cores de Lucia Koch: ela cobriu as janelas do vão das escadas – espinha dorsal da comunicação da casa – com folhas de filme transparente coloridas. Cada um dos quatro andares recebe uma

cor diferente e leva quem entra desde o verde suculento, que dá ao visitante a sensação de afogamento, passando por um amarelo-ouro e um toque de laranja, até ser devorado/nocauteado por um magenta frio pouco antes de entrar no espaço da exposição e se deixar levar pelo céu de São Paulo, que parece se ter fixado ali temporariamente. Esse céu é reproduzido sobre uma tela de vinyl translúcido, onde se imprime um gradiente de azul para cinza,e esta superfície é iluminada pela luz da sala atrás dela, o espaço real da exposição, que é percebido a princípio, apenas através deste filtro não-transparente. Só depois de se dar um passo além de seu trabalho, para dentro da exposição, o espaço se abre sem filtro para tornar- se, metaforicamente, também espaço de discurso do projeto.

Os campos de cores parecem ter sido saturados intencionalmente com clichês ocidentais, ou europeus, sobre o Brasil, antigos e profundamente enraizados. Pois, afinal, não são as cores gritantes, vivas, luminosas que o ocidente espera? Então não é este o país que pertence ao mundo dos ritmos quentes do samba, das palmeiras eternamente povoadas por papagaios, das praias prateadas e douradas e do sunny moonlight ? O jogo com a imagem da cultura brasileira mostra aos visitantes nada mais que mais uma visão filtrada de algo há muito conhecido. Lucia Koch joga com a expectativa de um público ocidental, operando com outros padrões possíveis, que não correspondem a modelos já institucionalizados na memória européia, mas sim os incomodam e interrompem. O público olha através de lentes mágicas: um instrumento ótico que deixa novas imagens se instalarem, que mais tarde funcionarão como um filtro inconsciente, brilhando em todas as cores possíveis. A artista cobriu os nervos óticos mentais com esses filtros de cores. Os visitantes foram sugados pelas cores de Lucia Koch.

Os trabalhos de Lucia Koch não seguem necessariamente os princípios de uma prática antropófaga – mais que isso, eles os quebram e repensam com extremo requinte. Eles colocam os receptores na posição do antropófago, daquele que engole, em uma posição que não é exatamente fácil e possível de compreender para aqueles marcados pela cultura ocidental. Junta-se a isso o fato de que o observador aqui não só absorve uma nova cultura, apropriando-se dela pacificamente, mas também é confrontado com antigas idéias. Na observação é feita uma manipulação sutil e a memória sofre uma nova formação. Os conteúdos antropófagos são gravados consciente e incoscientemente, fixados, rompendo o mundo de imagens e de impressões preconcebidas daqueles que com eles se confrontam. As cores primárias e secundárias são misturadas e dissolvidas em um céu azul-cinza, de posições de poder líquidas e indefinidas. Plataformas e margens são apagadas: as cores digeriram a si mesmas.

2005